sábado, 18 de julho de 2009

27 inernos

[espaço para viver o dia, fotografá-lo, e reproduzi-lo sem versos ]


nunca vou me render




De: Adriany Thatcher
Enviada: sábado, 18 de julho de 2009 5:12:10
Para: poeta h

madrugada de um dia que se perdeu inteiro para minhas angustias terem insônia; acharem morada; brincarem de subverterem meu juízo ralo.
mesmo assim eu lembro de você, dos versos espalhados em outras manhãs mais chuvosas, da lira e do mistério.
faz falta.

a menina que fui e que brincava em jardins floridos e úmidos, sorriso fácil, sonhos puros, essa menina te dá as mãos agora, andemos juntos [assim sonho] e brindemos a nossa malfadada vida. contigo, os segredos fazem sentido: "o 18 de julho é quase um tudo na medição das independências interiores."

espero que faça sol de manhã. e por dentro também.

[...]

a você: toda a melodia do mundo.
parabéns.

muitos beijos.
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18 de julho

sim: 27 invernos.

não tenho lá festividades para contar. números ímpares refletem imperfeição. mas também não tenho o que reclamar: estou em paz, apesar do plim plim da varinha de condão faltante.

pensei e quis sol. mas fiquei em casa. ouvi recados on line. telefonemas? só um, vindo do outro lado do atlântico [esta constância sempre me surpreende e alegra].

sem choro ou saudade. até dormi. mas na preparação para a travessia, choveu. fiquei tão triste, me senti tão só... eu mal lembrava como era este clima do outro lado da cidade, no sentido da saída [que já representou a chegada, quando eu ria ao sol inebriada de amor e felicidade, mas naquela época era verão, e eu pensava, sonhando, que era amada], não queria ficar pensando nisso, foi a chuva que me trouxe essas lembranças...

em casa. espero equilibrar os ânimos, insistir no sonhos. voltar melhor. 27 anos, quem diria? e essa luta desregrada, esse desequilíbrio todo...

[eu tentei, mas não consegui evitar o pensamento preso nessas lembranças, foi a noite chuvosa, esses lados da cidade me obrigam a sentir isso.... casinhas iluminadas, feias, feias!]

em casa, depois de um mês de férias do comum: aceitei o bombom recheado que a vida me deu de presente – tão doce, tão suculento que comi rápido. uma tensão boa. constante. breve.

todos estes sentimentos misturados. esta espera por não sei o que, nem quem... tem sentido? há sentido? o que sou, nisto tudo? sou? aprendi com a dor. tive sonhos maiores do que eu. se me perdi, se não alcanço, a estrada é longa, e eu estou descalça...

nada vale o preço deste bem estar interno, apesar de tudo, este pacífico modo de sentir a vida.

sinceramente, não tenho nada a reclamar. agradeço.

quarta-feira, 8 de julho de 2009

[parêntese explicativo]

[choveu mais cedo. eu nem tinha percebido, mas bastou colocar a cara na rua para sentir a baforada fria da saudade de um nós dois já tão antigo que até eu quase não lembrava.
só entende quem já encontou alguém com quem se quisesse, eternamente, dormir com as mãos enlaçadas.
é por isso que não há nada a ser dito ou feito capaz esconder este deserto úmido e invisível que permanece no meu coração. invisível para os outros. ninguém consegue me fazer esquercer de vê-lo luminoso e frio.
chovia na manhã em que eu me escondia entre livros, telas, ingredientes de outras lembranças. atrasos e queixas desse ritmo tordo da minha vida morna. uma ata. tudo igualmente embolado e sem ritmo. se eu pudesse, permaneceria cá dentro, escondida, sem voz, sem motivos para experimentar o vento do lá fora. isso a que chamam mundo civilizado tem graça? nem.
destranquei cadeados e portões. embora fosse a brisa a grande semeadora de discóridas e lutos, essas andanças teimosas que empreendo por vias cada vez mais tomadas de gente na contra mão de mim, guarda-chuvas e carros irritando-me os passos mais simples, eu ainda somei duas ou três lembranças tardias de uma decepção já morta. mesmo daqui quinze anos elas ainda me acompanharão. sou tão previsível e tola.

ruas sujas. gentes. gentes. mais gentes. barulhos. água. eu seguindo, sempre atrasada, sempre perdida. quem nota a tristeza profunda nos meus olhos? quem conhece essas narrativas sem nexo que me atormentam o sono mesmo após tantos meses de ausência física e de anulação dos votos eternos de amor? [sim, hoje eu sonhei com o sorriso e o abraço branco de um amor que nunca tive, mas que me mentiu muitíssimo bem]. nem eu lembrava. por alguns poucos instantes, destes segundos que a gente para de respirar por qualquer bobagem, eu esqueci o meu deserto. instantes raros. distração. o deserto continuava lá. ele é forte. e muito árido.]

domingo, 5 de julho de 2009

a estação do inverno


_coitado! vive tão sozinho, não tem nada no mundo...

enganava-se a rosa-chá quando pensava que o gato malhado vivia solitário e não tinha nada no mundo. bem ao contrário, ele tinha um mundo e recordações, de doces momentos vividos, de lembranças alegres. não vou dizer que fosse feliz e não sofresse. sofria, mas ainda não estava desesperado, ainda se alimentava do que ela lhe havia dado antes. triste no entanto, porque a felicidade não pode se alimentar apenas das recordações do passado, necessita também dos sonhos do futuro...

jorge amado - o gato malhado e a andorinha sinhá




no espaço de um quase, cabem tantas conversas. olha nós dois: o quase é a ilusão da proximidade mas o longínquo, essa demência, ressoa melhor.

quando eu chego em lágrims tensas e ninguém me diz que eu preciso florir, quase é o espaço entre as ocupações, entre a lágrima e a sombra. o quase não tem ritmo, nem rima, só cor de talvez inacabado.

o quase enche o vazio com irmãozinhos barulhentos. o quase é fio da madrugada sem lua balançando sonhos, quase não é tristeza embora o quase me faça chorar. mas a saudade também faz. e o não ter rumos, isso não é nada bom.nem quase.

o quase é uma prisão.



tanta coisa que eu não sabia. nunca tinham me falado, por exemplo, deste sol duro das três horas. também não me tinham avisado sobre este ritmo tão seco de viver, desta martelada de poeira. que doeria, tinham-me vagamente avisado. mas o que vem para a minha esperança do horizonte, ao chegar perto se revela abrindo asas de águia sobre mim, isso eu não sabia. não sabia o que é ser sombreada por grandes asas abertas ameaçadoras, um agudo bico de águia inclinado sobre mim e rindo. e quando nos álbuns de adolescente eu respondia com orgulho que não acreditava no amor, era então que eu mais amava; isso eu tive que saber sozinha. também não sabia no que dá mentir. comecei a mentir por precaução, e ninguém me avisou do perigo de ser tao precavida; porque depois nunca mais a mentira descolou de mim. e tanto menti que comecei a mentir até a minha própria mentira. e isso - já atordoada eu sentia - isso era dizer a verdade. até que decaí tanto que a mentira eu a dizia crua, simples, curta: eu dizia a verdade bruta.

clarice lispector - aprendendo a viver

quinta-feira, 2 de julho de 2009

[só tento tempo pra um suspiro]

Se queres sentir a felicidade de amar, esquece a tua alma.
A alma é que estraga o amor.
Só em Deus ela pode encontrar satisfação.
Não noutra alma.
Só em Deus — ou fora do mundo.
As almas são incomunicáveis.
Deixa o teu corpo entender-se com outro corpo.
Porque os corpos se entendem, mas as almas não.

Arte de Amar, Manoel Bandeira