sábado, 10 de outubro de 2009

ganhei




FEMININA


nascerá, então, do teu breve sentar,

o sorriso que carregará a diferente beleza de quem te olha.

quem te vê sorri mais bonito.

e não é pelo teu reflexo...

é pelo infinito que se abre aos olhos que deslindam teus mistérios.

desde o formar do decote que junta e eleva os seios, até o meio de retinas.

tudo se faz especial (muito mais que beleza)

tudo se faz transcendental (muito além da pureza ou simples magia).

teu sentar, teu luzir, teu ser o que é,

te faz diferente, te faz sobressair.


te faz uma mulher dentro de outra mulher.

quinta-feira, 24 de setembro de 2009

somos todos desertos, e eu tenho sede.





tudo quanto penso,
tudo quanto sou
é um deserto imenso
onde nem eu estou.

extensão parada
sem nada a estar ali,
areia peneirada
vou dar-lhe a ferroada
da vida que vivi.

[...]

fernando pessoa, 18-3-1935







nós somos desertos, mas povoados de tribos, de faunas e floras. passamos nosso tempo a arrumar essas tribos, a dispô-las de outro modo, a eliminar algumas delas, a fazer prosperar outras. e todos estes povoados, todas essas multidões não impedem o deserto, que a nossa própria ascese; ao contrário, elas o habitam, passam por ele, sobre ele ( o deserto a experimentação sobre si mesmo é nossa única identidade, nossa única chance para todas as combinações que nos habitam (...) DELEUZE

segunda-feira, 17 de agosto de 2009

conversas internas



eu andei perdida em movimentos aleatórios de felicidade. é simples qd não se é só. mas isso, para mim, dura pouco. acaba antes do fim das férias. e por + q eu me esforce, esvae-se, fumaça entre os dedos.
[o amor também será isso, então? uma despedida sempre pronta a cumprir-se? essa ameaça constante?]
o q, nesta vida, afinal nos une ao alheio do mundo e dos outros se não a nossa consciência de sozinhez e desepero? não é o sangue aqui nas veias. nem é a bondade, ou qqr outro valor. seria simplório d+. é o comodismo? a preguiça? acredito + nisso do q em qqr juízo moral.



mas isso é tão lá dentro q quase não ouço. não tenho do q reclamar. e não é crítica a ninguém. lá em casa, além das nossas caras quase idênticas, o cilma é de reciprocidade em atos de solidariedade pura e despretenciosa. riso e cor. uma felicidade q não tenho enquanto atravesso esse cotidiano na capitá do arraiá baianesco. lá em casa, tudo é tão engraçado e calmo...


[presentinho da amiga super-patie:]

/acadêmicos s.a by: patie braille/



depois que eu cheguei à caótica e destrambelhada capitá, quase não me vejo. acho q me esqueci em alguma gaveta velha, ou pote sem uso. quem sabe qd me reencontrarei?
era pra ser + forte e puro o meu senso de identidade e reconhecimento das minhas próprias querências. talvez eu tenha me tornado só isto. e sigo.

não vou negar: é bom. eu gosto. é ótimo! se tenho medo do porvir, é por causa do já ido. ninguém entende, pq é um daqueles tantos segredos q eu fiz questão de apagar até do caderno imaterial do vivido. aí deu nisso. insistência louca em capítulos repetidos de série tosca, sem qqr audiência. minha cabeça e seus dilemas: eu quero mesmo um de tamarindo, que parece de groselha e tem gosto de limão ou só uma água sem gás?

coragem, coragem...






a pálida luz da manhã de inverno,

o cais e a razão
não dão mais 'sperança,
nem menos 'sperança sequer,

no meu coração.
o que tem que ser

será, quer eu queira que seja ou que não.

no rumor do cais, no bulício do rio,

na rua a acordar
não há mais sossego,
nem menos sossego sequer,

para o meu 'sperar.

o que tem que não ser
algures será, se o pensei;
tudo mais é sonhar.


fernando pessoa
28.12.1928

sábado, 18 de julho de 2009

27 inernos

[espaço para viver o dia, fotografá-lo, e reproduzi-lo sem versos ]


nunca vou me render




De: Adriany Thatcher
Enviada: sábado, 18 de julho de 2009 5:12:10
Para: poeta h

madrugada de um dia que se perdeu inteiro para minhas angustias terem insônia; acharem morada; brincarem de subverterem meu juízo ralo.
mesmo assim eu lembro de você, dos versos espalhados em outras manhãs mais chuvosas, da lira e do mistério.
faz falta.

a menina que fui e que brincava em jardins floridos e úmidos, sorriso fácil, sonhos puros, essa menina te dá as mãos agora, andemos juntos [assim sonho] e brindemos a nossa malfadada vida. contigo, os segredos fazem sentido: "o 18 de julho é quase um tudo na medição das independências interiores."

espero que faça sol de manhã. e por dentro também.

[...]

a você: toda a melodia do mundo.
parabéns.

muitos beijos.
_________*__________*___________*______________*___________

18 de julho

sim: 27 invernos.

não tenho lá festividades para contar. números ímpares refletem imperfeição. mas também não tenho o que reclamar: estou em paz, apesar do plim plim da varinha de condão faltante.

pensei e quis sol. mas fiquei em casa. ouvi recados on line. telefonemas? só um, vindo do outro lado do atlântico [esta constância sempre me surpreende e alegra].

sem choro ou saudade. até dormi. mas na preparação para a travessia, choveu. fiquei tão triste, me senti tão só... eu mal lembrava como era este clima do outro lado da cidade, no sentido da saída [que já representou a chegada, quando eu ria ao sol inebriada de amor e felicidade, mas naquela época era verão, e eu pensava, sonhando, que era amada], não queria ficar pensando nisso, foi a chuva que me trouxe essas lembranças...

em casa. espero equilibrar os ânimos, insistir no sonhos. voltar melhor. 27 anos, quem diria? e essa luta desregrada, esse desequilíbrio todo...

[eu tentei, mas não consegui evitar o pensamento preso nessas lembranças, foi a noite chuvosa, esses lados da cidade me obrigam a sentir isso.... casinhas iluminadas, feias, feias!]

em casa, depois de um mês de férias do comum: aceitei o bombom recheado que a vida me deu de presente – tão doce, tão suculento que comi rápido. uma tensão boa. constante. breve.

todos estes sentimentos misturados. esta espera por não sei o que, nem quem... tem sentido? há sentido? o que sou, nisto tudo? sou? aprendi com a dor. tive sonhos maiores do que eu. se me perdi, se não alcanço, a estrada é longa, e eu estou descalça...

nada vale o preço deste bem estar interno, apesar de tudo, este pacífico modo de sentir a vida.

sinceramente, não tenho nada a reclamar. agradeço.

quarta-feira, 8 de julho de 2009

[parêntese explicativo]

[choveu mais cedo. eu nem tinha percebido, mas bastou colocar a cara na rua para sentir a baforada fria da saudade de um nós dois já tão antigo que até eu quase não lembrava.
só entende quem já encontou alguém com quem se quisesse, eternamente, dormir com as mãos enlaçadas.
é por isso que não há nada a ser dito ou feito capaz esconder este deserto úmido e invisível que permanece no meu coração. invisível para os outros. ninguém consegue me fazer esquercer de vê-lo luminoso e frio.
chovia na manhã em que eu me escondia entre livros, telas, ingredientes de outras lembranças. atrasos e queixas desse ritmo tordo da minha vida morna. uma ata. tudo igualmente embolado e sem ritmo. se eu pudesse, permaneceria cá dentro, escondida, sem voz, sem motivos para experimentar o vento do lá fora. isso a que chamam mundo civilizado tem graça? nem.
destranquei cadeados e portões. embora fosse a brisa a grande semeadora de discóridas e lutos, essas andanças teimosas que empreendo por vias cada vez mais tomadas de gente na contra mão de mim, guarda-chuvas e carros irritando-me os passos mais simples, eu ainda somei duas ou três lembranças tardias de uma decepção já morta. mesmo daqui quinze anos elas ainda me acompanharão. sou tão previsível e tola.

ruas sujas. gentes. gentes. mais gentes. barulhos. água. eu seguindo, sempre atrasada, sempre perdida. quem nota a tristeza profunda nos meus olhos? quem conhece essas narrativas sem nexo que me atormentam o sono mesmo após tantos meses de ausência física e de anulação dos votos eternos de amor? [sim, hoje eu sonhei com o sorriso e o abraço branco de um amor que nunca tive, mas que me mentiu muitíssimo bem]. nem eu lembrava. por alguns poucos instantes, destes segundos que a gente para de respirar por qualquer bobagem, eu esqueci o meu deserto. instantes raros. distração. o deserto continuava lá. ele é forte. e muito árido.]

domingo, 5 de julho de 2009

a estação do inverno


_coitado! vive tão sozinho, não tem nada no mundo...

enganava-se a rosa-chá quando pensava que o gato malhado vivia solitário e não tinha nada no mundo. bem ao contrário, ele tinha um mundo e recordações, de doces momentos vividos, de lembranças alegres. não vou dizer que fosse feliz e não sofresse. sofria, mas ainda não estava desesperado, ainda se alimentava do que ela lhe havia dado antes. triste no entanto, porque a felicidade não pode se alimentar apenas das recordações do passado, necessita também dos sonhos do futuro...

jorge amado - o gato malhado e a andorinha sinhá




no espaço de um quase, cabem tantas conversas. olha nós dois: o quase é a ilusão da proximidade mas o longínquo, essa demência, ressoa melhor.

quando eu chego em lágrims tensas e ninguém me diz que eu preciso florir, quase é o espaço entre as ocupações, entre a lágrima e a sombra. o quase não tem ritmo, nem rima, só cor de talvez inacabado.

o quase enche o vazio com irmãozinhos barulhentos. o quase é fio da madrugada sem lua balançando sonhos, quase não é tristeza embora o quase me faça chorar. mas a saudade também faz. e o não ter rumos, isso não é nada bom.nem quase.

o quase é uma prisão.



tanta coisa que eu não sabia. nunca tinham me falado, por exemplo, deste sol duro das três horas. também não me tinham avisado sobre este ritmo tão seco de viver, desta martelada de poeira. que doeria, tinham-me vagamente avisado. mas o que vem para a minha esperança do horizonte, ao chegar perto se revela abrindo asas de águia sobre mim, isso eu não sabia. não sabia o que é ser sombreada por grandes asas abertas ameaçadoras, um agudo bico de águia inclinado sobre mim e rindo. e quando nos álbuns de adolescente eu respondia com orgulho que não acreditava no amor, era então que eu mais amava; isso eu tive que saber sozinha. também não sabia no que dá mentir. comecei a mentir por precaução, e ninguém me avisou do perigo de ser tao precavida; porque depois nunca mais a mentira descolou de mim. e tanto menti que comecei a mentir até a minha própria mentira. e isso - já atordoada eu sentia - isso era dizer a verdade. até que decaí tanto que a mentira eu a dizia crua, simples, curta: eu dizia a verdade bruta.

clarice lispector - aprendendo a viver

quinta-feira, 2 de julho de 2009

[só tento tempo pra um suspiro]

Se queres sentir a felicidade de amar, esquece a tua alma.
A alma é que estraga o amor.
Só em Deus ela pode encontrar satisfação.
Não noutra alma.
Só em Deus — ou fora do mundo.
As almas são incomunicáveis.
Deixa o teu corpo entender-se com outro corpo.
Porque os corpos se entendem, mas as almas não.

Arte de Amar, Manoel Bandeira

sábado, 27 de junho de 2009

Eu sei que você sabe Que eu sei que você sabe Que é difícil de dizer...



"Tomas não sabia então que as metáforas são uma coisa perigosa.
Não se brinca com as metáforas.
O amor pode nascer de uma simples metáfora"
milan kudera - a insustentável leveza do ser



não!
sim.
não.
talvez.
não sei mais.
tem q saber, é? tá tudo mt doido aqui: versos, fotos, gestos, sons, expectativas... e esse cheiro! não consigo dormir com esse cheiro me lembrando o florir inesperado. o gosto também.
é que eu quero tudo limpo, qboalogicamente limpo. aí veio a manhã, o sofá, as dúvidas, o repentino. eu não dormir uma noite inteira fazendo nada além de olhar ? eu tava esperando? nem sei onde guardei aquele estojinho delicado com meus sentimentos de amor puro, inocência, e crença na mágica simples dos encontros metafóricos.
a clarah tem mesmo razão: sorrisos fodem.
encantamento também.

eu não vou a lugar algum, marinheiro só. eu não sou daqui. então pare com essa história de florescer antes de ter raízes. me deixe com meus versos sem rima, com minhas pétalas sem cor [por isso preciso tanto me rodear dessas compradas no museu inventado de meus próprios sentimentos esquecidos].
só vou para dizer: adeus.
e viver arrastanto mágoas.
e sonhar com as chances de encontros que o vento não conseguiu polinizar.
é isso ou outra manhã de grandes amores eternos com duração minúscula.
tô cansada.

o ministério da saúde se diverte:
metáforas e rimas podem causar vida em abundância.
ao persistirem os sintomas..., ah... se entregue!

domingo, 14 de junho de 2009

quinta-feira, 9 de abril de 2009

outono




no outono eu fico mais melancólica e triste do que a minha habitual tristeza sem motivo me acostumou.

os dias ficam amarelados, opacos e vagarosos. tudo está meio morno, menos o sol e seu ardor por si mesmo, esse assanhado. a cidade anda vazia. salvador só funciona até as 23h [alguém pode me dizer por quê?] e todo mundo parece estar gripado, ou ocupado demais com coisas deveras secretas para se manter invisivelmente além dos meus olhos. nem é feriado ainda, mas tudo já fechou. inclusive o dia.

chás de frutas com hortelã. não bastassem os espirros e a coriza, eu tenho cólica. ser mulher é sempre um incômodo previsível e múltiplo.

eu não deixo




eu viajei para a praia do forte, vi as tartaruguinhas e o mar. a igreja. o forte. fotos e cascos. tudo doce. era outono também. choveu antes e depois. eu estava feliz.

as tartarugas vivem muitos anos. centenas. bem mais do que nós, os infames. e elas gastam essa pseudo-dádiva [as tartarugas não são seres alegres] viajando. enormes, tristes, cansadas cruzam o planeta a procura de um não sei quê que justifique tantas décadas, séculos até, como testemunhas oculares do sem-sentido que é a vida, elas viajam. nada as oprime. nem as crias, nem a distância. atravessam o mundo, através dos oceanos, até que algum idiota que queira um pente, um brinco ou sopa quentinha as agarre. ou que alguém preocupado com a extinção delas as pesque, alimente, cuide e recoloque no mar. no meio deste processo eu a vi, linda e triste. ela gritava, cabeça para fora do tanque, nadadeiras esforladas [nem sempre o corpo obedece o coração] ela se virava na direção do mar, e insistia. acho que chorava.

uma vez, faz tempo, uma tartaruga também cantou pra mim. apareceu de repente linda, doce e triste. com aquele olhar tênue que diz: sou só. cuida de mim?

acreditei: quis. deixei. foi um nado tranquilo. o oceano todo para mim era um lago agradável. mas as tartarugas não gostam do chão, não constroem casas. eu olhei ao redor e ela já não estava. foi-se sem avisar. e me afoguei.

tartarugas querem conter todo os oceanos dentro de si. a inmensidão lhes é pouco. vão. porém, sempre retornam.

eu que não quero mais nadar.

e prefiro a sozinhez da praia, ao sol.

sábado, 21 de março de 2009

sexta feira analítica [ou de sobre o fim do verão]







[a canção que não se ouvia, mas que eu imaginava ainda me era desconhecia]

Bem que você podia
Pintar na sala
Da minha tarde vazia
Como na poesia

Itamar Assumpção

compartilhamento de tristezas [ ou da condição soberana da inequívoca sensação de ser só].



Adriany diz:
[sobre a tua necessidade de sozinhez hoje, querido, eu ouço e compreendo os teus motivos. me disponho ao seu lado, na permanência etérea de um bem querer simples e mudo: estou contigo.]
Adriany diz:
"Quando às vezes o mar soluça tristemente
A praia abre-lhe os braços e deixa-o a gemer;
Embala-o com amor, de leve, docemente,
E canta-lhe cantigas pra adormecer!"



Se eu pudesse amar-te agora
não repetiria gestos nem palavras
só meus olhos a implorar os teus
o desejo de não ires mais embora

pudesse eu amar-te agora
e te fazer sorrir cada vez mais
seria eu teu mar, o teu veleiro
a aportar em mim, teu templo, o cais

e envolta em meus braços, teu abrigo
eu, por amar-te tanto, te diria
da memória etérea desse amor antigo

transformaria em rima as lembranças
e reescreveria em cores nossa história
ah!... pudesse eu amar-te agora!...

[Alice Daniel]

terça-feira, 10 de março de 2009

tentativa de ordenação [cíntia, persito, adriany]


[em amaralina, num pós tarde sob o sol, ao mar]

[um cineclubinho, entre amigos indispensavelmente interessantes, geniais, e fofos.]

sábado, 28 de fevereiro de 2009

apresentação tardia



sou do lado de cá
um pássaro
um sopro
um tom
mas só no avesso
[do jeito escondido]

....................do outro lado
....................essa chatice
....................tímida
....................tênue
....................imprecisa
....................tentando se encontrar




eu sou uma noite calma e escura repleta de estralas que disfarçam a solidão. já me disseram que a noite, essa apavorada, desespera-se por pouco, acende as estrelas para não se reconhecer só, envolta no vazio.

sou caseira, falante, solidária. e dizem: típica canceriana. pena não se fazer castelos como antigamente.

coleciono pedras – mas só aquelas que me contam segredos.

fiz galinha-gorda da maioria dos meus sonhos. os que sobraram [poucos] me perseguem, à noite, me obrigam a escrever impressões irreais, desejos confusos e lembranças inventadas.

às vezes, não acredito em mais nada. aí o meu coração percorre outros caminhos, à espera de fragmentos imateriais de beleza e amor, como se possível fosse, colhendo certos olhares cruzados, certas cores de expressões inesperadas. raros momentos nos quais me animo a gritar para a lua, braços erguidos como os de uma sacerdotisa herege, em oferecimento e entrega.

mordo a vida vagarosamente. não sei ainda do que tenho medo. espero muito. calo-me quase sempre. nem tudo o que a gente pensa, vale a pena dizer.

com minha coleção de mágoas, tento aprender a respeitar os outros. [ah, esses desencontros!]. ouço e aceito. sou pacífica. apesar de bem armada. o meu atrevimento é esnobe e preguiçoso. ignoro, evito, desconheço o que me contraria. enfrentar? gastar energia discutindo? ando cansada demais...

o que mais faço é tentar me entender. um dia, quem sabe, encontre algum benefício e/ou avanço nessa batalha.

sou lenta, triste e descrente. mas disfarço bem.

amo demais, intensa como a lua cheia no verão.

sou sincera e múltipla. colorida e sombria.

sou tantas que freqüentemente me confundo e só me acho nesses rascunhos aleatórios que espalho por onde passo [enquanto persigo o abstrato].

Fragmentos de um [des]amor



[ANTERIORIDADES]

Cerro um pouco os olhos onde subsiste
Um romântico apelo vago e mudo
_Um grande amor é sempre grave e triste.


Julho

sobre esta noite:


tanta angústia fresca guardada com acúmulos de esperanças, palavras mergulhadas em ressentimentos tardios e dores mudas. meus dias atravessados às cegas, barco perdido na tempestade inesperada que desafiou a noite de sonhos lindos, lindos. vento e água. desatino. tudo perdido. promessas e lágrimas vão perdendo suas cores. quanta dor consigo suportar em nome desse amor disforme? é amor ou teimosia? ao menos, quando a raiva toma o lugar da dor, alivia.


Sobre um fim de semana de ausências:

o meu corpo esteve nu e livre. andei-comi-vi-falei-ri-dei-pedi-ouvi-estudei-fiquei-doente e quis chorar. dias arrastando esse corpo em lugares em que eu mesma não estava. o meu desejo teima em fugir disto que tenho e perco tudo.

a maior aflição nem sei se é a impossibilidade de banhar-me novamente na calmaria do saber-se amada, enquanto se ama, incondicionalmente. solo arrasado. fontes secas. desolação. cal por sobre meus pés, e nos meus cabelos.

dói também a tortura dessa dúvida insistente: e se for a nossa última chance? [nossa?] e se o jogo mudar agora? ah... eu queria tudo como era antes... a velha e boa paz de esperar o possível...

será o meu pecado assim tão sujo? não merecerei a benevolente chance de ao menos um acerto? uma casinha amarela, jardim florido, um amor, uma criança rindo. to começando achar que a felicidade é demais para mim, e que me converti novamente.

sempre fui só. quis mudar isso tantas vezes. desta eu pensei ter conseguido, enfim. foi sonho e acordei para o pesadelo inconstante e solitário que são meus dias medíocres. nem filosofia nem esperanças. nada me fará rir como quando eu contava com o amor ingênuo... foram-se o verão e a minha paz. tudo está gelado e doentio. tenho febre, dores, espirros infinitos, catarro no coração.

[...]

a minha cabeça fútil se enredou em esperanças infantis. quis o retorno, o arrependimento, o perdão, o final feliz dos contos de fadas e das novelas de quinta. sou mesmo uma vergonhosa falcatrua, uma cópia, um simulacro, tão sensata e pura eu me apresento, mentira! sou doida e fraca. quero o simples. mas aceito qualquer arremedo de felicidade que me derem. sou fácil e tola. mas acho que sou especial e firme, por isso falo tantas bobagens vãs. tremo de esperanças apenas qo toque tardio de palavras que sei não passarem de fumaça de candeeiro: de manhã não resta nem a lembrança do cheiro dela. tudo podia ser diferente. eu queria tanto, com amor e sinceridade puras. ilusão de criança.

cansei de ser essa que chora e espera. para que tanto amor e respeito se sou esquecida, despresada?

[...]
perdas e dores e medos cada vez maiores...

joguei fora meu tempo e minha energia fantasiando uma vida comum e doce. tinha sol claro no meu caminho inventado. era dia mesmo nas noites: a lua alta no céu, sob a água eu ria, em meio às gentes dançava, em casa suspirava, amava entre arrepios. tudo perdido. deixado. peças vencidas no jogo em que não percebi estar como coadjuvante.

agora? resignação. um pouco de mágoa também. no labirinto de sonhos que ergui eu mesma fiquei presa. amarrada pelas expectativas da minha mente. devaneios de criança: as borboletas no quintal me fascinavam. quis ter um casulo só meu, dormir de gorda, sonhar tudo lindo, ser esperada pelo mundo inteiro, acordar viva, abrir meus próprios rumos coloridos, erguer as asas encarnadas, beijar o doce das flores, todos os jardins se ofereceriam apaixonados por mim, acompanhar todos os ventos do mundo, experimentar tudo, me lambuzar de sol, alcançar os astros!

mas sou apenas uma lagarta monótona e resmungona pastando o amargo dos dias de uma vida rasteira e monocromática.

[...]

uma caneca de chá morno sobre a cama. palavras sem sentido que não tenho coragem de pensar mas que me atormentam mesmo assim. Uma madrugada que se anuncia longa e solitária. Gripe forte. Sms doentios, saudades de casa, de mim quando criança, de meus sonhos puros, de ter crença que eu mesma podia mudar tudo, quando quisesse...

não entendo o enredo da minha vida. quero outro. só que não sei qual.






tudo depende do humor do Sol.

eu só queria que cessasse esse mal invisível

que me condena a ser só

estou cansada deste marasmo de lamentações inoportunas

e também dos falsos arrependimentos tardios

tenho sono profundo:
a eternidade distraindo-me em sonhos

o que mais eu poderia querer?

não há aqui qualquer chance melhor de redenção.

o descanso eterno, eis o único futuro que me aguarda

bela tem razão

só a morte pode esculpir este palácio

de glórias, de amor, de quimeras

em que eu tenho desejado viver

sono profundo, desistência infinita, cansaço máximo

no fim, o vento leva as palavras boas e más

depois leva também a lembrança apagada delas

a mesma brisa que refresca,

pode igualmente ferir o rosto


tudo depende do humor do sol.

quarta-feira, 25 de fevereiro de 2009

quarta feira de cinzas




2009

A POSTERIDADE NOS JULGARÁ

Quando for descoberto o remédio preventivo contra a gripe, as gerações futuras nunca mais poderão nos entender. Gripe é uma das tristezas orgânicas mais irrecuperáveis, enquanto dura. Ter gripe é ficar sabendo de muitas coisas que, se não fossem sabidas, nunca precisariam ter sido sabidas. É a experiência da catástrofe inútil, de uma catástrofe sem tragédia. É um lamento covarde que só o outro gripado compreende. Como poderão os futuros homens entender que ter gripe era uma condição humana? Somos seres gripados, futuramente sujeitos a um julgamento severo ou irônico.

Clarice Lispector - Aprendendo a viver.



[ANTERIORIDADES]



O mar, o vasto mar nos consola os labores!
Que demônio dotou o mar, roufenho canto
Perene a acompanhar os ventos rugidores,
Da sublime função de sublime acalanto?
O mar, o vasto mar nos consola os labores!

Baudelaire





arrebentam-se nas pedras negras da minha dor os desejos contraditórios de que me alimentei enquanto dormia. ações aleatórias e irrefletidas, como a da criança despreocupada que vê a maré levando suas sandálias e não reage, sabendo-se incapaz de enfrentar a traquinagem astuta do mar. vi, mas fiquei imóvel, esperando um não-sei-quê me socorrer. a ajuda não veio, obviamente.

ao menos aprendi algumas coisas incomunicáveis, relacionadas às vontades, intuições, sentimentos invisíveis e verdades indigestas. por um lado, há que se ter coragem de se assumir o que se sente. e mais ainda de renunciar a uma possibilidade de alegria [regada com todo o carinho poético a que sempre me declarei destinada] ainda púbere embora prometessem viger no tempo do sempre. por outro lado, a vida real que bate à porta, repleta de bagagens aos pés, me solicita uma decisão: coragem de ser já agora o que, mesmo inconfessadamente, temi, o reconhecer-se concreta, ativa, pensante, construtora, adulta.

é uma decisão difícil: a poesia trasvestiu-se de cotidiano fenomenal, com ela ganho sabores e risos, mas perco as cores do amor; a realidade enfeitou-se com um fascínio irracional e delicioso do amor, mas perco a leveza da sincronicidade, a doçura lírica do cuidar fraternal.

meus passos são tentativas ocas de reajeitar as coisas. a dor, porém, é inevitável.

domingo, 22 de fevereiro de 2009

pipoca e suco de limão





Só!

Vejo-me triste, abandonada e só
Bem como um cão sem dono e que o procura,
Mais pobre e desprezada do que Job
A caminhar na via da amargura!

Judeu Errante que a ninguém faz dó!
Minh’alma triste, dolorida e escura,
Minh’alma sem amor é cinza e pó,
Vaga roubada ao Mar da Desventura!

Que tragédia tão funda no meu peito!…
Quanta ilusão morrendo que esvoaça!
Quanto sonho a nascer e já desfeito!

Deus! Como é triste a hora quando morre…
O instante que foge, voa, e passa…
Fiozinho de água triste…a vida corre…

Florbela Espanca - Livro de Sóror Saudade

sábado, 21 de fevereiro de 2009

enquanto isso, na sala de justiça...













07.02.08 [e também hoje].



ainda não acordei, mas já ouço as vozes sussurradas lá de fora: ela está quieta! estará doente? será que morreu?

continuo dormindo e espero sonhar novamente.

enquanto vivo sozinha e reclusa, construo um castelo invisível com as palavras colhidas de livros e de filmes tão estranhos quando o meu desejo de ser só. passeio entre a frança clássica de proust, o indecifrável de saramago e alguns retalhos de filosofia espalhados pelos trabalhos por escrever e por corrigir. encontrei definitivamente baudelaire. me prometi de sicca.

fora essas distrações inúteis, espero: um emprego, o retorno às aulas, um amor tranquilo que me dê um filho.

também quero uma inspiração para compor outras histórias. usar essa minha cabeça sonolenta para desembaraçar os múltiplos enredos que minha angústia [de existir] produz. e me trancar eternamente, sem disfarces, sem querências. apenas solta comigo, livre de todos, plena. aqui ou na suíça.

O MEU CORAÇÃO - este romantismo que me consome a alma também alimentou idéias [no sentido platônico] de amores e relacionamentos tão inalcansáveis quanto irreais. a dicotomia entre o meu idealismo e a minha descrença radical me levam a conflitos intensos. sou fiel a uma estética herdada que prima pela simetria, pela ordem, pelo bom. mas na vagueza destes conceitos me perco.

além disso, quando recobro os sentidos e me lembro de quem sou, simplesmente não quero nada, não espero nada, não creio em mim. se me dou é por acaso. porém, quando quero, é por inteiro.

optei pelo amor, mesmo não crendo nele. aposto no escuro. o que virá? arrisquei e só.

anterioridades



"Irmãos na Dor, os olhos rasos de água,
Chorai comigo a minha imensa mágoa,
Lendo o meu livro só de mágoas cheio!"




nada de grandes aventuras, construções mirabolantes, feitos incríveis. foi mesmo só a vida comum, seus aborrecimentos diários, essa mesmice.
e ela que quando menina sonhava ser rainha ornada com afinco pelo amor de súditos imateriais, agora via-se enlameada, azeda, triste e só como é mister a toda plebéia convencional.
comia o que sobrava. sua vida se manteve por conta de pequenas usurpações de dejetos e rejeitos. vestia-se do que lhe davam. mendigava também o amor daquele a que ousou esperar.
e ele não chegou jamais.
arrastou-se por tumultuadas vizinhanças. nunca teve seu próprio espaço. quis o mundo dos castelos, das festas, da boa comida e da música inebriante.
na névoa de sonhos ao redor da sua cabeça dispersa, ajuntava casais, celebrava conquistas, herdava amores infinitos e fiéis... por vezes dançava sozinha, pensando-se tomada por uma multidão agradecida.
era tola e vil. riam-se dela os simples de coração; apedrejaram-na os que seguiam a lei.

quarta-feira, 18 de fevereiro de 2009

Tardes cinzas, chuviscantes


[http://flickr.com/photos/lumallet/2190272759/]


“Descobri em cima da chuva um milagre – pensava Joana –, um milagre partido em estrelas grossas, sérias e brilhantes, como um aviso parado: como um farol. O que tentam dizer? Nelas pressinto o segredo, esse brilho é o mistério impassível que ouço fluir dentro de mim, chorar em notas largas, desesperadas e românticas. Meu Deus, pelo menos comunicai-me com elas, fazei realidade meu desejo de beijá-las. De sentir nos lábios a sua luz, senti-la fulgurar dentro do corpo, deixando-o faiscante e transparente, fresco e úmido como os minutos que antecedem a madrugada. Por que surgem em mim essas sedes estranhas? A chuva e as estrelas, essa mistura fria e densa me acordou, abriu as portas de meu bosque verde e sombrio, desse bosque com cheiro de abismo onde corre água. E uniu-o à noite. Aqui, junto à janela, o ar é mais calmo. Estrelas, estrelas, zero. A palavra estala entre meus dentes em estilhaços frágeis. Porque não vem a chuva dentro de mim, eu quero ser estrela. Purificai-me um pouco e terei a massa desses seres que se guardam atrás da chuva.

Clarice Lispector - Perto do Coração Selvagem

segunda-feira, 16 de fevereiro de 2009

verão.




Foi o Neruda quem me disse hoje de manhã: A timidez é uma condição estranha da alma, uma categoria e uma dimensão que se abre para a solidão. Também é um sofrimento inseparável, como se a gente tivesse duas epidermes e a segunda pele interior se irritasse e se contraísse diante da vida. Entre as estruturações do homem, esta qualidade ou este defeito são parte do amálgama que vai fundamentando, numa longa circunstância, a perpetuidade do ser.


Aí, olhei o mar pela janela. É muita luz e calor. Tanta que quase tenho vontade de viver, de ser feliz. E não vendo nada meu nisso, recordo o quanto tenho me escondido aqui. Não é a casa que me prende, suas paredes são frágeis, inúteis até. Lá fora, o mundo e seus sedutores desafios, assuta menos agora. Eu desenvolvi uma certa desconfiança de tudo, um desinteresse crônico, nervoso, insuportavelmente mudo. Ninguém percebe. Há sorrisos, falares, quase esperanças... por dentro é nostalgia impregnada de vazio.


O movimento da rua, a badalação das vitrines onde as outras pessoas se escondem - por mais q elas pensem que estão se mostrando, não estão mesmo!... O lá fora não me comove. Eterna sonhadora edifiquei um castelo de mágoa e desdém...


Talvez eu precise mesmo de um pouco de Sol. Não pode haver vida na Lua sem isso. Minha alma se desepera, não aceita. Paganismo e anarquismo do meu coração ternamente incomum. Se eu aceitasse simplesmente, não haveria essa resignação. Quando uma mulher se dobra ao destino, sua alma não consegue mais cantar. Sei que desafino. É teimosia mesmo.


Diante de mim, quem pode suspeitar?


A minha solidão esterelizou tudo. Os versos, a força que normalmente as pequenas gentiliezas têm sobre a manutenção do amor... nada sobrevive impune. Mudei de sonhos. Os planos são outros. A casa também. Mas, como disse, paredes para mim são como a fumaça tênue e insignificante... as atravessaria, se quisesse...
Da antiga coleção de segredos, restaram os caquinhos. Vou jogar tudo fora. Sem pena. Sem dor. E pensando nisso, arrebata-me uma vontade de rasgar os vestidos também, desfazer os laços, desarrumar os livros. Tirar-mostrar-limpar! Pra que eu quero tanto por dentro, escondido? Essa timidez sonsa, morna, dissimulada... Ilusões sem cor podem me atingir? O que o olhar alheio conseguiria? Nunca foi medo dele. Embora ultimamente...
É hora da faxina dentro de mim...