sábado, 28 de fevereiro de 2009

apresentação tardia



sou do lado de cá
um pássaro
um sopro
um tom
mas só no avesso
[do jeito escondido]

....................do outro lado
....................essa chatice
....................tímida
....................tênue
....................imprecisa
....................tentando se encontrar




eu sou uma noite calma e escura repleta de estralas que disfarçam a solidão. já me disseram que a noite, essa apavorada, desespera-se por pouco, acende as estrelas para não se reconhecer só, envolta no vazio.

sou caseira, falante, solidária. e dizem: típica canceriana. pena não se fazer castelos como antigamente.

coleciono pedras – mas só aquelas que me contam segredos.

fiz galinha-gorda da maioria dos meus sonhos. os que sobraram [poucos] me perseguem, à noite, me obrigam a escrever impressões irreais, desejos confusos e lembranças inventadas.

às vezes, não acredito em mais nada. aí o meu coração percorre outros caminhos, à espera de fragmentos imateriais de beleza e amor, como se possível fosse, colhendo certos olhares cruzados, certas cores de expressões inesperadas. raros momentos nos quais me animo a gritar para a lua, braços erguidos como os de uma sacerdotisa herege, em oferecimento e entrega.

mordo a vida vagarosamente. não sei ainda do que tenho medo. espero muito. calo-me quase sempre. nem tudo o que a gente pensa, vale a pena dizer.

com minha coleção de mágoas, tento aprender a respeitar os outros. [ah, esses desencontros!]. ouço e aceito. sou pacífica. apesar de bem armada. o meu atrevimento é esnobe e preguiçoso. ignoro, evito, desconheço o que me contraria. enfrentar? gastar energia discutindo? ando cansada demais...

o que mais faço é tentar me entender. um dia, quem sabe, encontre algum benefício e/ou avanço nessa batalha.

sou lenta, triste e descrente. mas disfarço bem.

amo demais, intensa como a lua cheia no verão.

sou sincera e múltipla. colorida e sombria.

sou tantas que freqüentemente me confundo e só me acho nesses rascunhos aleatórios que espalho por onde passo [enquanto persigo o abstrato].

Fragmentos de um [des]amor



[ANTERIORIDADES]

Cerro um pouco os olhos onde subsiste
Um romântico apelo vago e mudo
_Um grande amor é sempre grave e triste.


Julho

sobre esta noite:


tanta angústia fresca guardada com acúmulos de esperanças, palavras mergulhadas em ressentimentos tardios e dores mudas. meus dias atravessados às cegas, barco perdido na tempestade inesperada que desafiou a noite de sonhos lindos, lindos. vento e água. desatino. tudo perdido. promessas e lágrimas vão perdendo suas cores. quanta dor consigo suportar em nome desse amor disforme? é amor ou teimosia? ao menos, quando a raiva toma o lugar da dor, alivia.


Sobre um fim de semana de ausências:

o meu corpo esteve nu e livre. andei-comi-vi-falei-ri-dei-pedi-ouvi-estudei-fiquei-doente e quis chorar. dias arrastando esse corpo em lugares em que eu mesma não estava. o meu desejo teima em fugir disto que tenho e perco tudo.

a maior aflição nem sei se é a impossibilidade de banhar-me novamente na calmaria do saber-se amada, enquanto se ama, incondicionalmente. solo arrasado. fontes secas. desolação. cal por sobre meus pés, e nos meus cabelos.

dói também a tortura dessa dúvida insistente: e se for a nossa última chance? [nossa?] e se o jogo mudar agora? ah... eu queria tudo como era antes... a velha e boa paz de esperar o possível...

será o meu pecado assim tão sujo? não merecerei a benevolente chance de ao menos um acerto? uma casinha amarela, jardim florido, um amor, uma criança rindo. to começando achar que a felicidade é demais para mim, e que me converti novamente.

sempre fui só. quis mudar isso tantas vezes. desta eu pensei ter conseguido, enfim. foi sonho e acordei para o pesadelo inconstante e solitário que são meus dias medíocres. nem filosofia nem esperanças. nada me fará rir como quando eu contava com o amor ingênuo... foram-se o verão e a minha paz. tudo está gelado e doentio. tenho febre, dores, espirros infinitos, catarro no coração.

[...]

a minha cabeça fútil se enredou em esperanças infantis. quis o retorno, o arrependimento, o perdão, o final feliz dos contos de fadas e das novelas de quinta. sou mesmo uma vergonhosa falcatrua, uma cópia, um simulacro, tão sensata e pura eu me apresento, mentira! sou doida e fraca. quero o simples. mas aceito qualquer arremedo de felicidade que me derem. sou fácil e tola. mas acho que sou especial e firme, por isso falo tantas bobagens vãs. tremo de esperanças apenas qo toque tardio de palavras que sei não passarem de fumaça de candeeiro: de manhã não resta nem a lembrança do cheiro dela. tudo podia ser diferente. eu queria tanto, com amor e sinceridade puras. ilusão de criança.

cansei de ser essa que chora e espera. para que tanto amor e respeito se sou esquecida, despresada?

[...]
perdas e dores e medos cada vez maiores...

joguei fora meu tempo e minha energia fantasiando uma vida comum e doce. tinha sol claro no meu caminho inventado. era dia mesmo nas noites: a lua alta no céu, sob a água eu ria, em meio às gentes dançava, em casa suspirava, amava entre arrepios. tudo perdido. deixado. peças vencidas no jogo em que não percebi estar como coadjuvante.

agora? resignação. um pouco de mágoa também. no labirinto de sonhos que ergui eu mesma fiquei presa. amarrada pelas expectativas da minha mente. devaneios de criança: as borboletas no quintal me fascinavam. quis ter um casulo só meu, dormir de gorda, sonhar tudo lindo, ser esperada pelo mundo inteiro, acordar viva, abrir meus próprios rumos coloridos, erguer as asas encarnadas, beijar o doce das flores, todos os jardins se ofereceriam apaixonados por mim, acompanhar todos os ventos do mundo, experimentar tudo, me lambuzar de sol, alcançar os astros!

mas sou apenas uma lagarta monótona e resmungona pastando o amargo dos dias de uma vida rasteira e monocromática.

[...]

uma caneca de chá morno sobre a cama. palavras sem sentido que não tenho coragem de pensar mas que me atormentam mesmo assim. Uma madrugada que se anuncia longa e solitária. Gripe forte. Sms doentios, saudades de casa, de mim quando criança, de meus sonhos puros, de ter crença que eu mesma podia mudar tudo, quando quisesse...

não entendo o enredo da minha vida. quero outro. só que não sei qual.






tudo depende do humor do Sol.

eu só queria que cessasse esse mal invisível

que me condena a ser só

estou cansada deste marasmo de lamentações inoportunas

e também dos falsos arrependimentos tardios

tenho sono profundo:
a eternidade distraindo-me em sonhos

o que mais eu poderia querer?

não há aqui qualquer chance melhor de redenção.

o descanso eterno, eis o único futuro que me aguarda

bela tem razão

só a morte pode esculpir este palácio

de glórias, de amor, de quimeras

em que eu tenho desejado viver

sono profundo, desistência infinita, cansaço máximo

no fim, o vento leva as palavras boas e más

depois leva também a lembrança apagada delas

a mesma brisa que refresca,

pode igualmente ferir o rosto


tudo depende do humor do sol.

quarta-feira, 25 de fevereiro de 2009

quarta feira de cinzas




2009

A POSTERIDADE NOS JULGARÁ

Quando for descoberto o remédio preventivo contra a gripe, as gerações futuras nunca mais poderão nos entender. Gripe é uma das tristezas orgânicas mais irrecuperáveis, enquanto dura. Ter gripe é ficar sabendo de muitas coisas que, se não fossem sabidas, nunca precisariam ter sido sabidas. É a experiência da catástrofe inútil, de uma catástrofe sem tragédia. É um lamento covarde que só o outro gripado compreende. Como poderão os futuros homens entender que ter gripe era uma condição humana? Somos seres gripados, futuramente sujeitos a um julgamento severo ou irônico.

Clarice Lispector - Aprendendo a viver.



[ANTERIORIDADES]



O mar, o vasto mar nos consola os labores!
Que demônio dotou o mar, roufenho canto
Perene a acompanhar os ventos rugidores,
Da sublime função de sublime acalanto?
O mar, o vasto mar nos consola os labores!

Baudelaire





arrebentam-se nas pedras negras da minha dor os desejos contraditórios de que me alimentei enquanto dormia. ações aleatórias e irrefletidas, como a da criança despreocupada que vê a maré levando suas sandálias e não reage, sabendo-se incapaz de enfrentar a traquinagem astuta do mar. vi, mas fiquei imóvel, esperando um não-sei-quê me socorrer. a ajuda não veio, obviamente.

ao menos aprendi algumas coisas incomunicáveis, relacionadas às vontades, intuições, sentimentos invisíveis e verdades indigestas. por um lado, há que se ter coragem de se assumir o que se sente. e mais ainda de renunciar a uma possibilidade de alegria [regada com todo o carinho poético a que sempre me declarei destinada] ainda púbere embora prometessem viger no tempo do sempre. por outro lado, a vida real que bate à porta, repleta de bagagens aos pés, me solicita uma decisão: coragem de ser já agora o que, mesmo inconfessadamente, temi, o reconhecer-se concreta, ativa, pensante, construtora, adulta.

é uma decisão difícil: a poesia trasvestiu-se de cotidiano fenomenal, com ela ganho sabores e risos, mas perco as cores do amor; a realidade enfeitou-se com um fascínio irracional e delicioso do amor, mas perco a leveza da sincronicidade, a doçura lírica do cuidar fraternal.

meus passos são tentativas ocas de reajeitar as coisas. a dor, porém, é inevitável.

domingo, 22 de fevereiro de 2009

pipoca e suco de limão





Só!

Vejo-me triste, abandonada e só
Bem como um cão sem dono e que o procura,
Mais pobre e desprezada do que Job
A caminhar na via da amargura!

Judeu Errante que a ninguém faz dó!
Minh’alma triste, dolorida e escura,
Minh’alma sem amor é cinza e pó,
Vaga roubada ao Mar da Desventura!

Que tragédia tão funda no meu peito!…
Quanta ilusão morrendo que esvoaça!
Quanto sonho a nascer e já desfeito!

Deus! Como é triste a hora quando morre…
O instante que foge, voa, e passa…
Fiozinho de água triste…a vida corre…

Florbela Espanca - Livro de Sóror Saudade

sábado, 21 de fevereiro de 2009

enquanto isso, na sala de justiça...













07.02.08 [e também hoje].



ainda não acordei, mas já ouço as vozes sussurradas lá de fora: ela está quieta! estará doente? será que morreu?

continuo dormindo e espero sonhar novamente.

enquanto vivo sozinha e reclusa, construo um castelo invisível com as palavras colhidas de livros e de filmes tão estranhos quando o meu desejo de ser só. passeio entre a frança clássica de proust, o indecifrável de saramago e alguns retalhos de filosofia espalhados pelos trabalhos por escrever e por corrigir. encontrei definitivamente baudelaire. me prometi de sicca.

fora essas distrações inúteis, espero: um emprego, o retorno às aulas, um amor tranquilo que me dê um filho.

também quero uma inspiração para compor outras histórias. usar essa minha cabeça sonolenta para desembaraçar os múltiplos enredos que minha angústia [de existir] produz. e me trancar eternamente, sem disfarces, sem querências. apenas solta comigo, livre de todos, plena. aqui ou na suíça.

O MEU CORAÇÃO - este romantismo que me consome a alma também alimentou idéias [no sentido platônico] de amores e relacionamentos tão inalcansáveis quanto irreais. a dicotomia entre o meu idealismo e a minha descrença radical me levam a conflitos intensos. sou fiel a uma estética herdada que prima pela simetria, pela ordem, pelo bom. mas na vagueza destes conceitos me perco.

além disso, quando recobro os sentidos e me lembro de quem sou, simplesmente não quero nada, não espero nada, não creio em mim. se me dou é por acaso. porém, quando quero, é por inteiro.

optei pelo amor, mesmo não crendo nele. aposto no escuro. o que virá? arrisquei e só.

anterioridades



"Irmãos na Dor, os olhos rasos de água,
Chorai comigo a minha imensa mágoa,
Lendo o meu livro só de mágoas cheio!"




nada de grandes aventuras, construções mirabolantes, feitos incríveis. foi mesmo só a vida comum, seus aborrecimentos diários, essa mesmice.
e ela que quando menina sonhava ser rainha ornada com afinco pelo amor de súditos imateriais, agora via-se enlameada, azeda, triste e só como é mister a toda plebéia convencional.
comia o que sobrava. sua vida se manteve por conta de pequenas usurpações de dejetos e rejeitos. vestia-se do que lhe davam. mendigava também o amor daquele a que ousou esperar.
e ele não chegou jamais.
arrastou-se por tumultuadas vizinhanças. nunca teve seu próprio espaço. quis o mundo dos castelos, das festas, da boa comida e da música inebriante.
na névoa de sonhos ao redor da sua cabeça dispersa, ajuntava casais, celebrava conquistas, herdava amores infinitos e fiéis... por vezes dançava sozinha, pensando-se tomada por uma multidão agradecida.
era tola e vil. riam-se dela os simples de coração; apedrejaram-na os que seguiam a lei.

quarta-feira, 18 de fevereiro de 2009

Tardes cinzas, chuviscantes


[http://flickr.com/photos/lumallet/2190272759/]


“Descobri em cima da chuva um milagre – pensava Joana –, um milagre partido em estrelas grossas, sérias e brilhantes, como um aviso parado: como um farol. O que tentam dizer? Nelas pressinto o segredo, esse brilho é o mistério impassível que ouço fluir dentro de mim, chorar em notas largas, desesperadas e românticas. Meu Deus, pelo menos comunicai-me com elas, fazei realidade meu desejo de beijá-las. De sentir nos lábios a sua luz, senti-la fulgurar dentro do corpo, deixando-o faiscante e transparente, fresco e úmido como os minutos que antecedem a madrugada. Por que surgem em mim essas sedes estranhas? A chuva e as estrelas, essa mistura fria e densa me acordou, abriu as portas de meu bosque verde e sombrio, desse bosque com cheiro de abismo onde corre água. E uniu-o à noite. Aqui, junto à janela, o ar é mais calmo. Estrelas, estrelas, zero. A palavra estala entre meus dentes em estilhaços frágeis. Porque não vem a chuva dentro de mim, eu quero ser estrela. Purificai-me um pouco e terei a massa desses seres que se guardam atrás da chuva.

Clarice Lispector - Perto do Coração Selvagem

segunda-feira, 16 de fevereiro de 2009

verão.




Foi o Neruda quem me disse hoje de manhã: A timidez é uma condição estranha da alma, uma categoria e uma dimensão que se abre para a solidão. Também é um sofrimento inseparável, como se a gente tivesse duas epidermes e a segunda pele interior se irritasse e se contraísse diante da vida. Entre as estruturações do homem, esta qualidade ou este defeito são parte do amálgama que vai fundamentando, numa longa circunstância, a perpetuidade do ser.


Aí, olhei o mar pela janela. É muita luz e calor. Tanta que quase tenho vontade de viver, de ser feliz. E não vendo nada meu nisso, recordo o quanto tenho me escondido aqui. Não é a casa que me prende, suas paredes são frágeis, inúteis até. Lá fora, o mundo e seus sedutores desafios, assuta menos agora. Eu desenvolvi uma certa desconfiança de tudo, um desinteresse crônico, nervoso, insuportavelmente mudo. Ninguém percebe. Há sorrisos, falares, quase esperanças... por dentro é nostalgia impregnada de vazio.


O movimento da rua, a badalação das vitrines onde as outras pessoas se escondem - por mais q elas pensem que estão se mostrando, não estão mesmo!... O lá fora não me comove. Eterna sonhadora edifiquei um castelo de mágoa e desdém...


Talvez eu precise mesmo de um pouco de Sol. Não pode haver vida na Lua sem isso. Minha alma se desepera, não aceita. Paganismo e anarquismo do meu coração ternamente incomum. Se eu aceitasse simplesmente, não haveria essa resignação. Quando uma mulher se dobra ao destino, sua alma não consegue mais cantar. Sei que desafino. É teimosia mesmo.


Diante de mim, quem pode suspeitar?


A minha solidão esterelizou tudo. Os versos, a força que normalmente as pequenas gentiliezas têm sobre a manutenção do amor... nada sobrevive impune. Mudei de sonhos. Os planos são outros. A casa também. Mas, como disse, paredes para mim são como a fumaça tênue e insignificante... as atravessaria, se quisesse...
Da antiga coleção de segredos, restaram os caquinhos. Vou jogar tudo fora. Sem pena. Sem dor. E pensando nisso, arrebata-me uma vontade de rasgar os vestidos também, desfazer os laços, desarrumar os livros. Tirar-mostrar-limpar! Pra que eu quero tanto por dentro, escondido? Essa timidez sonsa, morna, dissimulada... Ilusões sem cor podem me atingir? O que o olhar alheio conseguiria? Nunca foi medo dele. Embora ultimamente...
É hora da faxina dentro de mim...