quarta-feira, 18 de fevereiro de 2009

Tardes cinzas, chuviscantes


[http://flickr.com/photos/lumallet/2190272759/]


“Descobri em cima da chuva um milagre – pensava Joana –, um milagre partido em estrelas grossas, sérias e brilhantes, como um aviso parado: como um farol. O que tentam dizer? Nelas pressinto o segredo, esse brilho é o mistério impassível que ouço fluir dentro de mim, chorar em notas largas, desesperadas e românticas. Meu Deus, pelo menos comunicai-me com elas, fazei realidade meu desejo de beijá-las. De sentir nos lábios a sua luz, senti-la fulgurar dentro do corpo, deixando-o faiscante e transparente, fresco e úmido como os minutos que antecedem a madrugada. Por que surgem em mim essas sedes estranhas? A chuva e as estrelas, essa mistura fria e densa me acordou, abriu as portas de meu bosque verde e sombrio, desse bosque com cheiro de abismo onde corre água. E uniu-o à noite. Aqui, junto à janela, o ar é mais calmo. Estrelas, estrelas, zero. A palavra estala entre meus dentes em estilhaços frágeis. Porque não vem a chuva dentro de mim, eu quero ser estrela. Purificai-me um pouco e terei a massa desses seres que se guardam atrás da chuva.

Clarice Lispector - Perto do Coração Selvagem

2 comentários:

  1. Olá menina lua, estou passando por aqui pra olhar o seu cantinho, ele está acolhedor, trasbordadndo emoção; vou ler os tópicos com calma e comentar; beijos e até breve! Ah, tomei a liberdade de deixar o seu link no meu blog.

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  2. é um belo texto, e se a chuva nos banhasse até a alma, e nos permitisse transformações intensas, acho que enfatizaria o que temos de mais nobre externalizando o simples fato de sermos mulheres.

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