domingo, 6 de março de 2011

arlequim

é carnaval. mesmo no coração da folia, epicentro de trios, quartetos e bandos, luzes, máscaras, há quem se refugie. no meu caso, prefiro o esconderijo no castelo de metáforas e lamúrias, sombra passante por janelas entreabertas. ouço ao longe o ecoar dos tumultos: sheherazade enfrentando o sultão, ao vivo, em todas as telas. conflitos, dúvidas, calor, livros, poeira, louça suja, solidão, irmã e irmão chegando. do outro lado, a persistência de uma situação que adultera minha fé em mim, para dizer o mínimo. estudos. escritos. perspectivas. tudo misturado. re-luz. sonos, falas, acordes, escritas, distrações e tantas bobagens... nada, porém, consegue apagar um pensamento nascido por acaso, ontem:


quem faz aniversário em pleno carnaval só podia mesmo ter alma de arlequim.


eis o grande mistério latejante. era para lhe contar mentiras coloridas e risonhas. inventar histórias de felicidades, conquistas, milagres. era para ser bem flutuante, reconciliada, esquecida, até. era para ser qualquer outra que não esta, à sua espera.

sábado, 5 de março de 2011

janeiro



descobri com o caio f. que tem jeitos muito diversos dos meus de se iludir: há quem se engane repetindo para si mesmo que tem um dragão com quem mora; há que se diga todos os dias: que será doce.

claro que eu faço isso também, mas quando chove granizo em pleno sertão, como ontem, apenas me permito dissolver as velhas expectativas numa ladainha seca, escondendo ao máximo a tempestade interna, apesar de violenta e irremediável, escondida como boa parte dos meus projetos vencidos.

voltar à casa onde se perdeu a infância é reconhecer como a invenção de esperanças de que aprenderia a voar e seria feliz podem se tornar duradouras. voltei. mal consigo ver, espalhadas em cacos aleatórios, o reluzir fugaz de recortes de lembranças misturadas, o que foi e o que nunca será agora são inseparáveis: era para ser contínuo e fresco, era para ser boa como a aventura dos meninos perdidos, mas eu apenas voltei ainda com a pele colada com dúvidas e nãos e outros tantos talvezes, essa velha coleção de mágoas além das recentes desarmonias...

os anos girando e eu ainda me debatendo no inóspito desse mar de areia seca granulada e fria como a dúvida em si mesmo, que nos assola em plena madrugada insone, esses desencontros que me congelam pouco a pouco. mar de gelo no sertão.

"na vida, devemos desconfiar: do sultão, do mar, da sorte e do amor; principalmente quando estes sorriem para nós"

e lá vou eu: a perdida, a incerta, a desgastada; cada dia mais ciente de que se os dragões não conhecem o paraíso, eu tampouco.